Parecia que ela não dormia há dias. Seus olhos estavam inchados e seus cabelos estavam muito bagunçados. Meu cérebro parecia que iria entrar em curto, mas no momento em que ela abriu a boca eu tive a certeza que poderia enfrentá-la:
- Oi Miguel.
- Oi Julia... Como você está? – Eu sabia que aquela pergunta não fazia sentido devido à aparência dela. Mas não pude deixar de perguntar.
- Estou bem, obrigada por perguntar. – Ela nunca foi boa em mentir... – Você acha que nós podemos conversar por um instante?
- Não sei, minha aula começa daqui cinco minutos...
- Por favor, vai ser bom para nós dois. Você tem me evitado faz um bom tempo.
Ela estava certa. O medo daquele momento me possuiu por várias semanas até eu finalmente criar coragem e resolver levantar da cama.
-Ok... Podemos pelo menos ir a um lugar mais reservado?
-Tudo bem.
Enquanto caminhávamos sem destino, conhecidos que encontrávamos pelo caminho nos olhavam com curiosidade. Alguns até cochichavam entre si. Até que ponto será que eles sabiam do que tinha acontecido?
Quando chegamos a um parquinho decidimos ficar por ali mesmo. O lugar deveria ser o mais calmo da região. Ficava próximo a uma rua sem saída, rodeado por apartamentos, e (graças a Deus) estava muito cedo para ter crianças brincando nos seus brinquedos desgastados.
Nós nos sentamos na grama, como sempre fazíamos quando resolvíamos conversar longe dos outros. Mas dessa vez tudo estava errado, nunca a tinha visto chorando, sempre pensei que quando esse momento chegasse eu a iria consolar, mas não, meu coração estava possuído pelo ódio e eu sentia um certo prazer vendo- a daquele jeito. Por outro lado, eu tinha a certeza de que não conseguiria ser duro com ela. Não era da minha natureza ter atitudes premeditadas, então só me restava ouvir o que ela tinha para me falar.
- E então, o que você queria me falar Julia?
- Ainda não sei, espero que com o desenrolar da conversa eu descubra.
- Maravilha, você me fez sair da faculdade, andar até um parquinho pra ficar aqui olhando pra tua cara tentando descobrir o que você pensa?
- Não seja grosso!
- Ok, daqui pra frente tentarei ser mais delicado. Era isso que você tinha a me dizer?
- Óbvio que não! Você no fundo sabe por que está aqui. E eu também... – Ela pegou na minha mão e começou a acaricia- lá. Mas aquele jogo de sedução não funcionava mais comigo, e afastando a mão dela do meu corpo eu respondi:
-É, pode ser que sim. Então chega de papo furado e fale de uma vez o que você quer.
Naquele momento o Sol saiu de traz dos prédios iluminando todo o parquinho. Até que não era um lugar feio, havia diversas plantas naquele lugar. Desde pequenos arbustos até uma grande Paineira com suas folhas brancas! E dali eu ainda conseguia avistar a Lua minguante. Aquele lugar transmitia uma sensação de tranqüilidade, algo que a muito eu não sentia. Acho que deveria explorar a cidade mais vezes quando me sentisse perturbado.
-Você ta me ouvindo Miguel?
-Ahn? Desculpe...
-Poxa, isso é importante! Para nós dois!
-Ok, estou ouvindo...
- Então, eu queria conversar sobre o que aconteceu aquele dia... Estou confusa, nós ainda estamos namorando? Você fugiu e nunca mais deu as caras...
- Você queria que eu tivesse ficado lá pra que? Pra me humilhar ainda mais?! Será que o que você fez pra mim não foi suficiente pra tirar suas próprias conclusões? Aquele foi o pior dia da minha vida se isso lhe interessa.
- Eu entendo. Você tem toda a razão. Eu fui uma idiota, não deveria ter agido daquela forma. Mas procure entender, eu estava bêbada! Acredite em mim, aquela pessoa que você viu não existe! Meus amigos também não tiveram culpa, eles estavam tão loucos quanto eu.
-Ah, ta certo, então quem estava me falando àquelas coisas? Não culpo seus amigos, afinal quem deixou eles fazerem aquilo foi você! E onde você foi parar quando eu estava ali, agonizando a beira do mar? E por que dessa vez tem que ser diferente das outras? Aquela não foi a primeira vez que eu te vi “cozida”. Não me venha com essa estória que você não queria fazer aquilo.
As lágrimas já percorriam meu rosto antes de eu conseguir terminar o raciocínio. Ela também estava chorando, muito mais do que eu. Parecia que realmente se importava com o que estava acontecendo, estava se sentindo mal. Mas não foi aquilo que eu vi em seus olhos naquele dia quando tudo foi por água a baixo. E então ela falou:
-Esse é o nosso fim então?- Ela me abraçou com tanta força que quase fez meus olhos saltarem das orbitas. Nisso eu comecei a lembrar dos nossos momentos juntos. Aqueles dias tinham sido os melhores da minha vida. Eu conseguia lembrar com clareza a maior parte dos nossos passeios e encontros. Mas o ultimo com certeza nunca iria me deixar em paz.
-Receio que sim Julia... Não consigo sentir o seu amor e você fez questão de matar o meu naquele dia- Aquelas palavras saíram da minha boca feito navalhas, cortando meu interior e a atingindo em cheio no rosto.
-Por favor, não diz isso. Eu te amo muito, eu sei que o que fiz não tem concerto. Me perdoe por favor.- A cascata de lágrimas que percorria o seu rosto encharcava meu ombro. E como alguém que lança sua ultima carta, ela me beijou com todas as suas forças. Ela sabia que aquilo não iria funcionar. Quando ela finalmente me largou, eu pude dar a palavra final.
-Claro que eu te perdôo, eu amo você. Mas nós não podemos continuar juntos. Agora por favor, não torne as coisas mais difíceis para mim e para você. Agora o jeito é seguirmos em frente, quem sabe algum dia possamos tentar outra vez? Mas agora eu preciso de um tempo para colocar as coisas no lugar, afinal eu perdi um semestre inteiro... Agora por favor, enxugue as suas lágrimas e deixe-me ir.
Quando me afastei dos seus braços e caminhei em direção a saída do parquinho, a última coisa que ouvi foi ela caindo de joelhos na grama, chorando como uma garotinha. Como pude ser tão hipócrita? “Agora o jeito é seguirmos em frente”.
Naquele momento eu queria me jogar do viaduto e acabar de vez com aquele sofrimento que ardia em mim. Aonde eu acharia forças para continuar? O som do seu choro ecoava dentro de mim e as lágrimas saiam descontroladas de dentro dos meus olhos. Pensava que estava preparado para aquele momento, mas não! O “pra sempre” tinha chegado ao fim, e agora a última coisa que restava do nosso amor era a dor e um mar de lembranças, no qual eu já estava me afogando.
Arte Verde - I
Há 14 anos